“popularidade de Trump em queda”
A doutrina de Trump, que aparece no seu discurso na 80 ª Assembleia Geral da ONU, revela esta mistura do unilateralismo isolacionista da Doutrina Monroe, geradora da excepcionalidade do chamado Destino Manifesto, com o Big Stick de Theodore Roosevelt, desmontando o multilateralismo que teve como um dos seus artífices o presidente Harry S. Truman, e sem qualquer interesse na nation-building de George W. Bush.
Em relação aos interesses geopolíticos de expansão liberal, na verdade, Trump representa um governo que demonstra uma indiferença perante intervenções políticas, em geral, não se ligando no destino de outras nações, desde que isso não afete interesses internos do país, se alimentando mais de bravatas militares, que até agora soam delirantes, como a invasão do Canadá, da Groenlândia etc, e só flertando com uma ação militar, de fato, sobre o regime de Maduro, na Venezuela.
As manifestações “No Kings”, em 18 de outubro, envolveram pautas como reivindicações contra deportações em massa de imigrantes sem documentos, a crise econômica e, finalmente, o arbítrio cometido nas violações em processos legais, censura a oposicionistas e o desrespeito à Constituição norte-americana. Contudo, perante tais manifestações, republicanos e a imprensa que apoiam o governo acusaram estas de terem sido convocadas por gente que odeia a América, esquerdistas aliados a inimigos da nação.
As manifestações acompanham o crescimento da resistência contra o governo Trump e seu declínio de popularidade nos Estados Unidos. O fato do No Kings ter sido festivo derrubou a previsão de conflitos feita pelo governo, sendo manifestações com pessoas fantasiadas, se divertindo, com discursos, e que teve a tradicional canção “This Land is Your Land”, do cantor folk Woody Guthrie, dos anos 1940, em que se entoou “Sem reis, sem coroas” e “É assim que a democracia se parece”.
A mídia que apoia o governo associou o No Kings como movimento de hippies velhos, de radicais antipatrióticos vindos dos anos 1960, junto a pessoas pagas. Logo se tratou de uma tese furada, pois a mobilização se fortaleceu e se expandiu. Em meio às manifestações e a divisão do país, junto às expectativas diante das eleições do Congresso em novembro de 2026, Trump tentou desviar a atenção da opinião pública com a polêmica demolição parcial da Casa Branca.
Tal obra na sede do Poder Executivo norte-americano, em Washington D.C., seria para a construção de um salão de dança, com doações privadas que, além de ser uma cortina de fumaça, neste momento, revela meandros da compra de favores de grandes corporações, pela administração governamental, que muitos consideram a mais corrupta da História dos Estados Unidos, com a popularidade de Trump em queda e favorecendo os democratas para 2026.
Decisões como o apoio financeiro do governo para o resgate da economia argentina e ajuda a Javier Milei nas eleições legislativas ocorridas na Argentina agora em outubro, levaram eleitores tradicionais de Trump a questionar as recentes políticas do governo perante o shutdown da máquina pública norte-americana, com consequências como o fato de servidores federais não estarem recebendo os seus salários.
Os problemas da política econômica, junto à perseguição de latinos, com detenções massivas e arbitrárias, afasta eleitores de Trump. Tal tendência só mudaria com uma virada da economia, além do recuo do presidente em relação a suas políticas impopulares. A perda do controle da Câmara dos Representantes, com a vitória democrata, se ocorrer, não derrubará Trump do poder, mas poderá refrear os seus ataques à democracia dos Estados Unidos.
Neste momento, o governo Trump já enfrenta a derrota para os democratas para governos de Estados importantes do país como Califórnia, Nova York, Virgínia, Nova Jersey, além de, na Pensilvânia, os juízes democratas da Suprema Corte estadual terem vencido as votações de retenção, e tendo como consequência uma maioria democrata num dos chamados “swing states”, ou seja, em que as eleições presidenciais são mais disputadas e equilibradas, e onde as regras eleitorais são frequentemente contestadas.
Na Virgínia, a ex-deputada moderada Abigail Spanberger obteve uma vitória histórica, com uma vantagem percentual sobre a ex-vice-presidente Kamala Harris na eleição presidencial de 2024 e sobre o candidato derrotado do partido ao governo do estado em 2021, Terry McAuliffe. Em Nova Jersey, outra deputada moderada, Mikie Sherrill, superou a coalizão de Trump e seu rival republicano, o ex-legislador estadual Jack Ciattarelli, este que tinha um bom desempenho em todo o estado, após ter ficado perto de se eleger governador em 2021.
Ciattarelli tinha um apelo de "cara de Nova Jersey", com isso esperando se destacar da imagem de Trump, mesmo com o apoio do presidente. E este resultado se tornou um dos melhores indicadores do sentimento anti-Trump no país. E com o candidato republicano sem conseguir replicar o desempenho com os latinos que ocorreu nas eleições de Trump do ano passado em Nova Jersey.
Em Nova York, a vitória do socialista democrático Zohran Mamdani marcou mais uma derrota do ex-governador Andrew Cuomo neste ano, que já tinha sido derrotado nas primárias democratas, e depois perdeu para deputado independente, apoiado por Trump. Ainda haverá uma série de primárias competitivas na eleição de meio de mandato, e depois as primárias presidenciais de 2028, para definir se este cenário de queda de Trump se aprofundará ou se reverterá.
Trump se vê num cenário em que a luta política dentro dos Estados Unidos poderá corroer seu governo por dentro, até mais do que os problemas levantados pelo tarifaço, pois, quando a própria população ou nação se volta contra um presidente, a sua sustentação se torna sensível, vulnerável. Nada chega perto de uma crise de popularidade dentro dos Estados Unidos para Trump.
A crise interna é a mais perigosa para o poder de barganha de Trump, muito mais que esta sua diplomacia disparatada, numa escalada da guerra comercial mundial, com a implosão dos valores do multilateralismo, e com a China prevalecendo em uma nova hegemonia mundial. O que derrotará Trump será, no final de tudo, a população norte-americana insatisfeita, desde opositores naturais, como os efeitos da debandada de antigos apoiadores.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/no-kings-parte-iii/
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