PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O GOLPE BOLSONARISTA - PARTE 2

“uma interpretação anômala do Artigo 142, para legitimar o golpe de Estado”


A organização golpista, segundo as investigações, foi separada por núcleos, e o indiciamento de Bolsonaro e de outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado revelam um cenário no qual este golpe esteve muito próximo de se efetivar no final de 2022. Por fim, a Polícia Federal deu por encerrada as investigações do caso com a entrega do relatório à PGR (Procuradoria-Geral da República).

No relatório da Polícia Federal constam documentos à caneta que explicam como funcionaria a operação, incluindo um esboço intitulado Operação 142 encontrado na sede do Partido Liberal, na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, que era o então assessor do general Braga Netto, candidato à vice-presidente da chapa de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

O título deste documento se refere ao artigo 142 da Constituição Federal. E aqui cabe uma rápida recapitulação da polêmica que girou em torno deste artigo da Carta Magna da Nova Democracia no governo anterior, que representou tanto um hiato no conceito de nova democracia e redemocratização do país, como sobretudo um retrocesso nas conquistas democráticas e ameaça institucional que agora se confirmou com o que vem sendo devassado no que ocorria no fim de 2022.

A Constituição Federal de 1988 submeteu as Forças Armadas aos poderes constitucionais e construiu uma relação de neutralidade entre estas e a política. Por conseguinte, sob a nova ordem constitucional tivemos a incorporação dos três comandos das forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) à estrutura do Ministério da Defesa, sob a direção de um Ministro civil.

O amadurecimento institucional da redemocratização passou, portanto, pela mudança das relações civis-militares, com o afastamento dos militares da política e de orientações de governo e obedecendo à ordem constitucional, isto é, com as Forças Armadas como um aparelho de Estado e não de governo. A democracia liberal criava, então, uma nova cultura de atuação estritamente profissional e constitucional por parte dos oficiais das três forças.

Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, logo que seu governo começou, tivemos um retrocesso nesta profissionalização das Forças Armadas, pois alguns dos órgãos ministeriais do novo governo passaram a ter a presença de militares, com o Ministério da Defesa deixando de ser ocupado por civis e voltando ao comando de generais, e com influência importante nos rumos do governo Bolsonaro, tanto em políticas públicas como na dinâmica institucional entre os Três Poderes, isto é, Executivo, Legislativo e Judiciário.

No ano de 2020, com a pandemia da Covid-19, tivemos o aumento da tensão institucional entre a Presidência da República, apoiada pelo Ministério da Defesa, e o Supremo Tribunal Federal (STF). Com o agravamento dos conflitos entre o governo e a Suprema Corte, por sua vez, foi quando o então presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores políticos, incluindo alguns militares, passaram a defender publicamente que as Forças Armadas poderiam exercer um poder moderador.

Tal ideia estapafúrdia, se não fosse, contudo, canalha e conspiratória, do poder moderador, tomava como base uma tese levantada pelo jurista Ives Gandra Martins, em que o Artigo 142 da Constituição Federal autorizaria qualquer dos poderes, ao se sentir violado por outro poder, de reivindicar a “garantia da lei e da ordem” pelas Forças Armadas. Segundo Ives Gandra, entretanto, se trataria de uma intervenção pontual, para repor a lei e a ordem, e não para abrir precedente para a ruptura e a ascensão de um poder moderador.

O lado estapafúrdio, para não dizer que faltaria uma comicidade quando se trata de bolsonarismo, é que esta ideia de poder moderador não é nem da ditadura dos anos 1970 e nem do Estado Novo Getulista, é algo que só foi usado no Império, em que este era um poder do monarca que visava harmonizar os outros poderes e garantir a estabilidade do Estado. Portanto, este Poder Moderador era um quarto poder do Estado, e que durou de 1824 até 1889, sendo exercido pelos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II. 

Por sua vez, a reaparição da tese de Ives Gandra em um momento de crise institucional grave da redemocratização causou uma reação imediata da comunidade jurídica, e começou um trabalho por parte de juristas para a reafirmação da defesa da interpretação correta do Artigo 142 da Constituição Federal.

Foi então realizada a reafirmação de que as Forças Armadas, enquanto instituições de caráter permanente e com função essencial ao Estado Democrático de Direito, devem exercer suas atribuições constitucionais segundo uma conduta de neutralidade política, sob a distinção e separação civil-militar exigida pelo regime democrático. Portanto, não está previsto na Constituição Federal, por fim, a autorização de qualquer “poder moderador” para dirimir conflitos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A alusão ao Artigo 142 da Constituição Federal no título do documento indicava, portanto, o caráter golpista e de ruptura institucional da conspiração urdida após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro. A Polícia Federal acredita que a elaboração deste documento se deu entre novembro e dezembro de 2022, se utilizando de uma interpretação anômala do Artigo 142, para legitimar o golpe de Estado. 

O documento Operação 142 traça um passo a passo da instauração do golpe, sendo os principais : Enquadramento jurídico do decreto 142 (Advocacia Geral da União e Ministério da Justiça), convocação do Conselho da República e da Defesa, discurso em cadeia nacional de TV e rádio, preparação da tropa para as ações diretas, anulação de atos arbitrários do STF, anulação das eleições, prorrogação dos mandatos, substituição de todo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), preparação de novas eleições. Tais fins se encerram no fatídico documento com resultados estratégicos como : “Estado final desejado político” e, por fim, “Lula não sobe a rampa”.

O plano de golpe só não foi efetivado pela falta de adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, uma vez que o almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, aderiu à conspiração golpista, colocando as tropas à disposição do então presidente Jair Bolsonaro.

Como dito, o inquérito do golpe foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR). Portanto, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, é quem vai decidir se o ex-presidente e os demais acusados serão denunciados ao STF pelos crimes imputados pela Polícia Federal.

No inquérito, além do atentado do dia 13 de novembro deste ano, do homem em sofrimento psíquico que morreu ao tentar explodir o STF, temos os atos de invasão e vandalismo dos Três Poderes de 8 de janeiro de 2023, a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, ocorrida em Brasília, no dia 12 de dezembro de 2022, e ainda a tentativa de explosão de um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro do mesmo ano. 

Por fim, uma das principais conclusões das investigações da Polícia Federal é a de que Jair Bolsonaro atuou de forma direta e efetiva nos atos executórios para a tentativa de golpe de Estado, após a sua derrota nas eleições, no final de 2022. Mas, no momento, judicialmente, o ex-presidente está na condição de indiciado, além de inelegível.

(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-golpe-bolsonarista-2/

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O GOLPE BOLSONARISTA - PARTE 1

“tentativa de golpe que incluía um plano de assassinato do presidente Lula”


No dia 19 de novembro foi deflagrada a operação da Polícia Federal que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra suspeitos de uma organização criminosa que planejava um golpe de Estado no Brasil em 2022, e que tinha como objetivo principal impedir a posse do presidente Lula. 

O plano golpista foi batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, o que remete à “Noite dos Longos Punhais” ou “Nacht der Langen Messer”, na radicalização do Nazismo na Alemanha. A Polícia Federal, com a operação, investiga uma tentativa de golpe que incluía um plano de assassinato do presidente Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, no final de 2022, já com Lula vitorioso nas urnas.

Com a operação da Polícia Federal, por sua vez, cinco pessoas foram presas com autorização do STF, o que incluiu quatro militares do Exército, todos eles ligados às forças especiais e denominados como “kids pretos”, além de um policial federal. São eles o general de brigada da reserva Mário Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo, o major Rafael Martins Oliveira e o policial federal Wladimir Matos Soares.

“Kids pretos” é uma gíria usada para denominar militares que atuam em missões especiais. Esta operação da PF foi batizada de “Contragolpe”, e faz parte de um inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado e as ações contra a democracia que envolvem o período eleitoral de 2022 e que teve como ápice a invasão dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.

O plano “Punhal Verde e Amarelo”, por sua vez, de acordo com a Polícia Federal, previa um ataque no dia 15 de dezembro de 2022. Foi encontrado nos arquivos de Mário Fernandes, por conseguinte, um documento que tinha como plano instituir um “gabinete de gestão de crise”, que entraria em operação no dia 16 de dezembro de 2022, no dia seguinte ao ataque. Esse gabinete seria chefiado pelo general Augusto Heleno, tendo o general Braga Netto como coordenador-geral.

Mauro Cid prestou novo depoimento à PF, em consequência desta operação, e negou que soubesse do plano. A PF, por sua vez, apontou inconsistências no depoimento, cabendo agora ao ministro do STF Alexandre de Moraes avaliar se haverá a anulação dos benefícios concedidos a Mauro Cid após o acordo de delação.

De acordo com a petição enviada ao STF, a PF encetou uma investigação que juntou aspectos de um plano de tentativa de golpe de Estado, violação do Estado Democrático de Direito, incluindo ataques ao sistema eleitoral, aos opositores e às instituições. O objetivo era o de impedir a posse de Lula, além de restringir o livre exercício da Democracia e do Poder Judiciário no Brasil.  

A articulação golpista teve seu auge a partir de novembro de 2022, avançando até dezembro, e que era parte de um plano de consumação de golpe de Estado denominada “Copa 2022”, que reunía elementos típicos de uma ação militar, contudo, neste caso, de caráter clandestino, criminoso e antidemocrático.

No dia 15 de novembro de 2022, por sua vez, Mauro Cid recebeu do major Rafael Martins de Oliveira, pelo WhatsApp, um documento protegido por senha com o nome de “Copa 2022”. Tal documento se tratava de uma estimativa de gastos que iriam subsidiar as ações criminosas que deveriam ser executadas durante novembro e dezembro de 2022.

O nome “Copa 2022” também foi usado para denominar um grupo criado num aplicativo de mensagens de nome Signal, composto por seis usuários, cada um com um codinome, eram eles : Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana. 

Tal documento revelava um plano terrorista, envolvendo a execução de uma operação de alto risco, pois considerava a possibilidade de ocorrência de diversas mortes, com um arsenal que incluía pistolas e armas usadas por policiais e militares, além de armamentos de guerra mais pesados, como lança-granadas e metralhadoras.

Lula, em tal documento, recebe o codinome de “Jeca”, e para a execução do presidente eleito, Lula, devido às suas condições de saúde, foi aventada a possibilidade de envenenamento ou de uso de produtos químicos para que provocasse nele um colapso orgânico. 


(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário :

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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

A HIPOCRISIA E A INVEJA

Tais fábricas de sonho, na alma do negócio,

vira a fantasia do capital, a arte, já rejeitada

de viés e como pressuposto, surpreende.


É massa ver a cara da mendacidade tomando tenência,

ocultando na voz o despeito que transborda no gesto

e no olhar, da súcia medíocre, que ao ver a obra

de um espírito livre, deu de costas, ofereceu esterco,

como se o incômodo se disfarçasse de afetação laboral.


Quais os eunucos existenciais que sempre foram,

repetindo a fórmula dos que se conformaram,

e no alvorecer de arte nova, ainda são os mesmos

de sempre, na cartilha anódina da vida plana

diante das escolhas da vida plena. 


Monster - 29/11/2024 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

JANJISMO

“do tatibitate à falta de decoro, temos agora um caminho de ajustes de comportamento”


Janja conseguiu se superar neste último G20, realizado agora no Rio de Janeiro, mas tanto, que até o presidente Lula teve que dar uma reprimenda em defesa das negociações diplomáticas que estavam sendo acordadas entre as autoridades no encontro de chefes de Estado e/ou seus representantes. No linguajar popular, Lula teve que apagar um incêndio, um fogo amigo, provocado pela primeira dama.

O grau de deslumbramento com os holofotes, ao paroxismo da caricatura e da afetação, sobretudo em redes sociais, já conhecida de Janja desde que começou o governo, está diretamente ligada à sua irrelevância como quadro do PT (Partido dos Trabalhadores), isso antes de se tornar esposa de Lula. Janja até então era uma existência pálida e sem brilho, dentro da burocracia do partido, nunca teve tônus de ter criado uma biografia relevante antes de se associar ao nome de Lula.

Certo que ela está ao lado do presidente desde os tempos bicudos de sua prisão, em que muitos dos aliados abandonaram o barco, ficando apenas os mais leais, tais como Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann. Este pode ser o ponto positivo, pois ninguém fazia uma aposta da volta de Lula à presidência naqueles anos. Contudo, o comportamento de Janja, repetidas vezes, desde que os holofotes se voltaram ao casal presidencial, tem sido o de uma jeca com um ego suscetível, até infantil, o que se viu na epítome de afetação que culminou no fatídico “fuck you Elon Musk”.

A própria intromissão de Janja no governo, objeto de reclamação por parte de ministros, é algo mal visto dentro da gravidade dos assuntos políticos, sendo que agora, no G20, isso ocorreu diretamente. O mal estar dentro do governo com alguns comportamentos da primeira dama vem, portanto, desde o começo deste, pois Janja está dando o seu showzinho, registrando a sua “saga”, desde que Lula tomou posse como presidente em seu terceiro mandato.

A primeira dama, que já está há muito tempo neste modo de lidar com seu posto como se fosse uma celebridade de reality show, fazendo posts superficiais, com bobagens de penduricalhos de rede social, não interessa a ninguém que esteja se informando sobre política no Brasil, somente a uma claque tão deslumbrada quanto a primeira dama, que amam e odeiam ícones na internet, uma súcia parva afeita à perda de tempo algorítmica.

Da inconveniência da figura, do tatibitate à falta de decoro, temos agora um caminho de ajustes de comportamento para que o governo possa caminhar com maturidade nas questões complexas, como a geopolítica, a economia e o meio ambiente, por exemplo, sendo tocada por pessoas ponderadas e sérias, o que desde que o governo começou, faz este contraste com Janja e seu deslumbramento kitsch, mais para boba da corte do que para primeira dama.

A sala sendo ocupada por adultos nunca é demais, ainda mais depois de uma tentativa de golpe, e o que o governo Lula menos precisa, neste momento, é dar munição para a extrema direita, ainda mais por conta própria, com fogo amigo. Portanto, tem que se cortar este barato de colocações desnecessárias que não ornam e nem agregam já na raiz, no seu nascedouro.  

Não se pode vacilar, ainda mais por infantilismo ou desatenção, neste combate duro que tem sido a do Brasil democrático contra vivandeiras ressurretas através do bolsonarismo, o código atual de tradução do que foi o golpe de 1964, das conspirações, pós-república velha, que vinham desde o suicídio de Getúlio etc, e que têm como atual signo e catalisador o bolsonarismo.

O deslumbramento e a afetação têm a característica de serem postiças, isto é, anti-naturais. O que se percebe, mesmo sem ser psicólogo de comportamento, com a simples prática do bom senso, é que a primeira dama anda tão embriagada, encantada, que talvez a ficha caia com a palavra do presidente. Quando isso começa a interferir nas mesas de negociação, acabou o recreio, acabou a babilônia, o chamado à maturidade política se torna imperativo.

Pode ser que Janja até então não tenha atinado, pois dentro de sua bolha, de sua claque, ouvimos risos e aplausos, e Janja ouvindo aquilo como o eco de sua voz e um bálsamo em sua vaidade, que de suscetível que é, nos dá cenas caricatas, na fascinação jeca da fama barata, pega de carona.

Em essência, tal deslumbramento e afetação são reflexos diretos de uma velha inconsistência biográfica, de uma pequena e pálida burocrata, dentro do Partido dos Trabalhadores, sem brilho próprio, e que agora dá suas cambalhotas com os trejeitos de uma xucra empolgada. 

O fato é que tudo isso não é recreio, pois envolve assuntos de governo e de Estado. Portanto, precisamos de decoro, de contenção e de objetividade, para não cairmos na mesma grosseria que vivemos durante o governo Bolsonaro, em meio à uma carnificina pandêmica.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

ELON MUSK E O TWITTER - PARTE 7

 “O lítio é fundamental na produção dos carros elétricos da Tesla”

Elon Musk, em relação ao X (antigo Twitter), não tem como prática usual ficar arrumando problemas diplomáticos, e muitas vezes para acomodar interesses, e alcançar o ingresso de suas empresas em outros países, deixa de lado seu ativismo de extrema direita, ao se adaptar a marcos regulatórios de diversos destes países. 

Na Índia, mesmo com Elon Musk se posicionando contra decisões judiciais do país, este que é comandado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, que é do partido de extrema direita Bharatiya Janata Party, há mais de uma década, teve que acatar tudo, pois existem interesses, por exemplo, de investimentos da ordem de US$ 3 bilhões em fábricas da Tesla, na luta contra a concorrência da chinesa BYD na região, envolvendo o mercado de carros elétricos.

No Brasil, a escalada de Elon Musk sobre o STF e seu confronto com o ministro Alexandre de Moraes teve, por conseguinte, também interesses de ordem empresarial, muito para além de seu extremismo político ou intransigência quanto a uma noção peculiar de liberdade de expressão, cultivada por um libertarianismo disruptivo e que atua por mecanismos infantilizados de cizânia memética e instrumentos de manipulação e desinformação completamente desabridos. Por sua vez, o interesse de Musk também passava por uma estratégia comercial de seu conglomerado, que inclui a SpaceX, a Starlink e a Tesla.  

Elon Musk tem interesse em comprar a Sigma Lithium, uma das maiores mineradoras de lítio do mundo. O lítio é fundamental na produção dos carros elétricos da Tesla. No Brasil, por sua vez, a principal fornecedora de lítio e níquel para a Tesla, por sua vez, é a Vale. 2022 foi um dos momentos mais estratégicos na produção de lítio brasileiro, e foi quando Elon Musk veio ao Brasil para lançar, oficialmente, a sua internet por satélite, a Starlink.

O lítio é o metal mais leve que existe e passou a ser chamado de “petróleo branco”, se tornando essencial na produção de baterias, carros elétricos, e na estrutura para a produção de energia solar e eólica. A América do Sul, contando somente Argentina, Bolívia e Chile, concentra 68% das reservas mundiais do metal.

O Serviço Geológico brasileiro, nos últimos tempos, descobriu várias reservas de lítio, se concentrando principalmente no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, região esta que se tornou objeto de exploração de três empresas, que são a Companhia Brasileira de Lítio, AMG Mineração e a canadense Sigma. 

A Companhia Brasileira de Lítio era a única nacional, cuja empresa parceira, a Oxys Energy, faliu em 2021, e o governo de Minas Gerais vendeu parte da estatal à britânica Ore Investimentos. E agora, segundo o Observatório da Mineração, empresas como a Latin Resources, Lithium Ionic e Atlas Lithium, estão sondando a região na busca de novas reservas de lítio. 

A Sigma, que foi fundada em 2011, anunciou em 2023 que estava negociando com potenciais compradores e, logo a seguir, as negociações com Elon Musk não foram adiante, ao passo que a chinesa BYD começou a negociar a compra da Sigma, com preço avaliado em R$14,3 bilhões. O Brasil, na guerra comercial entre Tesla e BYD, virou um centro da estratégia global de investimentos da empresa chinesa, chegando a comprar, recentemente, a fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia.

No cenário global, por sua vez, a Tesla vem perdendo terreno para a BYD, que a partir de 2023 ultrapassou as vendas da empresa de Elon Musk, fazendo com que o CEO da Tesla cobrasse do governo norte-americano a implementação de medidas protecionistas, com medidas como a criação de barreiras tarifárias para a chinesa BYD.

Logo após as afrontas de Elon Musk contra o ministro Alexandre de Moraes, o CEO começou a seguir Nicolai Tangen, um poderoso investidor norueguês, sendo este CEO do Norges Bank Investment, que se trata de um fundo de investimentos que tem negócios em várias partes do planeta, dando prioridade à área de mineração. Elon Musk chegou a ter uma live no X com Nicolai Tangen. 

Para se ter uma ideia, o Norges Bank Investment, em 2023, tinha investimentos em mais de 8 mil empresas, abrangendo 72 países, sendo dono de pouco mais de 1 % da Petrobras, 3 % da Cosan e 5 % da construtora Tenda, dentre outras empresas brasileiras, com investimentos na canadense Sigma, na anglo-australiana Rio Tinto e na metalúrgica holandesa AMG. Foi quando os interesses de Elon Musk e do CEO do Norges Bank confluíram.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog : https://www.seculodiario.com.br/colunas/elon-musk-e-o-twitter-parte-7/ 


POEMA REVERENCIAL

Te dedico meus textículos, meu tesão e meu orgasmo.

Nestes versos maltrapilhos, em cartas esparsas,

vertida toda clitóris de vestal, no vendaval,

e o magma que expande seu enigma.


Pois, ao sol, no meio da praia,

sou o clímax que revira os olhos,

neste navio de carranca

que espanta o

mau olhado.


14/11/2024 Monster

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

ELON MUSK E O TWITTER - PARTE 6

“o Twitter Files se tratou de um relatório para manipular a opinião pública”


O Twitter Files representou uma forma midiática de divulgação de material enviesado, em que a justiça brasileira passou a ser colocada em dúvida, na pretensão de tais arquivos apresentá-la como uma instituição de poder autoritária do país. E o que tivemos foi um vale tudo em que se recorria até à defesa de grupos neonazistas, golpistas, tendo grupos organizados atuando, tal como o Era Fascista, que foi um dos canais no Telegram suspensos pelo ministro Alexandre de Moraes. 

Tomando como alvo decisões judiciais, o Twitter Files se tratou de um relatório para manipular a opinião pública. As primeiras oito páginas do relatório, por exemplo, funcionam como um panfleto confeccionado por um comitê de maioria republicana. É pretensamente revelado um cenário de censura no Brasil, em que este viés do Twitter Files teria como fito o de atacar Joe Biden, que ainda era concorrente à reeleição como presidente dos Estados Unidos, numa disputa contra Donald Trump, que tentava voltar ao poder.

O título do relatório, resultado da entrega de documentos pela rede social X, de Elon Musk, é o seguinte : “O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil”. Um dos objetivos relatados, por sua vez, é o de retorno dos deputados trumpistas ao poder. “O Congresso deve levar a sério os alertas do Brasil e de outros países que buscam suprimir a liberdade de expressão online. Nunca devemos pensar que isso não pode acontecer aqui”. O comitê tem como presidente o republicano Jim Jordan, um dos maiores expoentes da extrema direita nos Estados Unidos.

O texto de Jim Jordan, contudo, é uma distorção dos documentos já enviesados vazados por Elon Musk. O que se lê não possui uma metodologia, e as conclusões, portanto, são forçadas. Existe uma total ignorância das bases legais e constitucionais que orientam as medidas adotadas tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no combate contra a desinformação e pela proteção do regime democrático, sobretudo no período de iminência da tentativa de golpe que se daria após as eleições de Lula no Brasil.

O Twitter Files é uma versão compilada e enviesada em que são tomadas 88 decisões da Justiça brasileira em forma compacta e simplista, criando um relatório que faz entender que todas estas medidas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, e que todas, igualmente, foram medidas tomadas de modo autoritário, com o fito de censura injustificada, ignorando os contextos dos casos. 

É algo estarrecedor colocar todas estas medidas como censura, uma vez que muito do que foi debelado pela Justiça, nestes casos, envolvia o contexto de incitação a golpe de Estado, e que é crime penal na Constituição Federal. O relatório, além de acusar toda e qualquer medida como censura, mais uma vez sob a égide de uma versão alucinada de liberdade de expressão com paralelo, quando muito, somente nos Estados Unidos, tenta naturalizar as ações realizadas no dia 8 de janeiro, e minimiza a tentativa de golpe de Estado.

Além desta completa desconexão com a realidade política e jurídica do Brasil, o comitê republicano se alinha com o que há de pior na extrema direita aqui do país, e que resulta num relatório que ignora outras questões graves enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como o neonazismo, em que um dos bloqueios determinados pelo ministro Alexandre de Moraes incluiu o já citado acima Era Fascista, no Telegram.

No caso de grupos neonazistas e outros grupos extremistas que foram monitorados, tivemos planejamentos de ações de doxxing, por exemplo, contra o ministro Alexandre de Moraes, o que se traduz como uma ação coletiva coordenada de assédio online direcionada contra uma única pessoa ou perfil, o que é crime. As ordens sob sigilo, que são objeto de questionamento por parte de bolsonaristas, por sua vez, são medidas comuns no cotidiano da justiça criminal tanto no Brasil como em outros países de regime democrático, o que nos Estados Unidos é conhecido como “law enforcement”.

Isto revela, portanto, o aspecto grotesco deste relatório, que se trata de um documento enviesado, só que de modo mal ajambrado, sem fundamentação, um compilado grosseiro de teses pré-fabricadas, e que tem como fonte principal links do perfil no twitter de Jim Jordan, numa tentativa descarada, embora anódina, de manipulação política. 

Para resumir um pouco as ações em torno do Twitter Files, tal se tratou de uma ação coordenada em que o relatório divulgado mostra advogados da empresa reclamando de ordens judiciais de Alexandre de Moraes, em que se determinava o bloqueio de contas envolvidas nas manifestações golpistas de 8 de janeiro, o que foi seguido de um apito de cachorro de Elon Musk, em que um tuíte dele mobilizava bolsonaristas contra as tais medidas de censura.

Logo se armou um circo em que se reuniram lideranças bolsonaristas como Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo Bolsonaro, o Bananinha, que fizeram uma live, ao passo que em outra live tivemos a presença de Nikolas Ferreira, o Chupetinha, além de Paulo Figueiredo e o famigerado Allan dos Santos, um dos confessores do Pateta em Orlando, e que se encontrava banido. 

E então se iniciou o conflito entre Elon Musk e Alexandre de Moraes, em que o CEO usou a sua rede para contrariar uma ordem judicial do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é ilegal, pedindo o impeachment do ministro. Com isso, a extrema direita se mobilizou, e o ministro Alexandre de Moraes acabou incluindo Elon Musk no extenso inquérito das milícias digitais. 

(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

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